Em 1998 eu tocava guitarra e tinha muito interesse pela música
norte-americana, especialmente o blues. Curioso é que alguns dos professores que
tive eram, e ainda são, violeiros que contam histórias do universo da viola
caipira. É muito curioso como essas histórias são semelhantes na cultura
brasileira e estadunidense, muito do que é folclore por aqui, mutatis mutandis,
também acontece por lá. (Mais tarde, bem mais tarde, comecei a estudar grego e
descobri que muito da cultura afro-brasileira também está presente na Grécia.) Abaixo
está minha versão para o pacto com o diabo.
Originalmente, o título desse conto era O diabo ensina o
blues, mas isso foi em 1998, época em que eu era cristão e fazia sentido falar
do diabo. Além do título mudei substancialmente o conto, pois num desses dias
eu tive conhecimento da entidade Exu Tatá Caveira e, como gostei bastante das
histórias que ouvi, ao invés de um pacto com o diabo, preferi falar de um
trabalho feito na encruzilhada. Infelizmente ainda não conheço Umbanda e
Candomblé o bastante para uma representação fiel, por esse motivo misturo moda
de viola, blues, diabo e Tatá Caveira.
Esse é um causo lá dos norte, pois! Não tem por aqui. Será?
É história de violeiro das banda de lá. De quem quer tocar essas moda diferente.
Quando quer aprender e nunca consegue. Nunca, pois! Mesmo quando pratica todos
os dia. Essas moda não se aprende...
O cabra fica frustrado, passa o dia praticando e nada. Tudo
o que faz está errado, pois. Ele quer aprender demais. Quer de verdade, mas não
consegue não. Tem como aprender não! Daí que tudo nele é angústia, ele pede pro
divino das ajuda e implora, pois. Ninguém ajuda nada. É aí que ele apela, pois!
Porque tem um diabo que ensina essas moda.
Ele veste preto e veste branco, vai até a encruzilhada levando
charuto e cachaça. Pede, mas não acontece nada, pois. Meia noite ele gritas os
Caveira, depois xinga os Caveira. Desanima, pois... Nada disso não existe não.
Falação de povo que não tem o que fazer nem o que comer. Miséria.
É noite, ele vai dormir. Ele deita na cama lá na casa dele e
sonha pesadelo dos ruim. Acorda com uma baforada quente e fedorenta bem na
cara. Eita, metuendo pânico do cão! Ele acende a luz do quarto, mas não vê
nada. Pesadelo que é, pois... Volta a dormir e tem outro pesadelo igualzinho.
Ele não consegue atinar lembrança do pesadelo, só se lembra do hálito quente e
podre. Pânico, pois.
Dessa vez ele não consegue dormir fácil, não. Perde o sono. Vai
ler a Bíblia... Eita que o sono pega ele de jeito, mesmo de luz acesa. Aí tem
outro pesadelo e não consegue acordar. O fedor quente e podre de enxofre enche
o quarto, mas ele não acordar não, pois!
Na manhã seguinte o cheiro está nele, bem na pele. Não
adianta banho nem perfume. Amanhece fedendo, pois. Enxofre. Ninguém percebe o
cheiro. Esse fedor é coisa só no nariz dele. Ele fica encabulado, cheio de
vergonha por causa do fedor, pois. O cheiro vai piorando. Na primeira
sexta-feira depois da noite dos pesadelo, ele acorda que é só cansaço. Com dor
de cabeça que parece que andou apanhando. O estômago embrulhado que parece que
vai vomitar. Ele passa o dia sem conseguir fazer nada, até esquece das moda.
Tem ódio de tudo, frustração, pois.
Eita que nessa noite ele sente que vai morrer! Sai de casa
com a viola na mão, andando sem rumo. Procura e procura sem saber. Talvez elefante
que quer cemitério pra morrer. Que nada, anda até encontrar chão de terra e vai
longe nessa estrada, pois. Vai por ela e vai longe. Chega aonde cruza. No lugar
onde a noite é mais escura, senta na encruzilhada. Toca as moda. Toca nada. A
cabeça dói. Isso é pra lá das onze hora meia-noite do dia de sábado. É quando
ele ouve a pergunta no vento:
— Quer sabe as moda? É claro, pois! Só que já foi, não foi? Agora
é hora? Que vento que nada, a voz pergunta mais forte:
— Cadê a cachaça? Ele tem a cachaça.
Aí ele ouve que tem que se sentar. Ele se senta. Aí ele ouve
que tem que pôr as duas mãos na terra. Ele põe. Então o Caveira aparece de
capuz preto. Ele se lembra dos pesadelo. O Caveira começa a pisar as mão dele
com casco duro. Ele não consegue tirar as mãos da terra e só ouve os osso
estralando. Grita feito um porco. Ouve a risada. Ouve os ossos das mão
quebrando. Vê o sangue das mão escorrendo pela terra.
Eita que quando os osso das mão estão quebrado até as unha,
é quando o Caveira manda ele tocar as moda. Nessa hora ele pega a viola, mas
que tocar que nada. Tudo nele dói... Mas vai parando de doer. As mão vão
tomando jeito e ele começa a tocar tudo direitinho, pois.
Devagarinho o cheiro podre do enxofre vai sumindo e antes do
dia clarear ele já toca todas as moda que ele queria. Do jeito que ele queria.
Fica contente demais, pois! Só alegria! Mais aí é que vem. Todas as moda que
ele tocar de hoje pra frente tem que ser pro Caveira. Se um dia, no futuro, ele
arrependido não quiser mais o pacto que fez sabe o que acontece? Nesse dia os
osso das mão dele vão começar a doer. Vão doer muito. Ele não vai conseguir nem
pensar em tocar moda. Médico nenhum vai conseguir ajudar. Até o fim dos dias as
mão dele vão ser do Caveira. Eita que no fim até a alma dele será do Caveira,
se já não é. Quem quer aprender essas moda?
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